A Psicologia Jurídica vem se expandindo, ampliando seus campos de conhecimento e atuação, exigindo profissionais cada vez mais capacitados para auxiliar e orientar as famílias em processo judiciais.
Nos processos judiciais que tramitam nas Varas da Família e das Sucessões dos Foros e Tribunais, as partes envolvidas vão buscar todos os recursos e meios de prova para fundamentar seus argumentos. Sempre que possível e necessário, utilizam de todos os instrumentos disponíveis para comprovar a “sua” verdade – o que, convenhamos, é um conceito subjetivo, porque, no meio jurídico, só obtém uma sentença favorável quem consegue argumentar melhor. Mas, no campo das relações familiares discutidas nos processos judiciais, a situação é bem mais complicada, pois envolve uma série de frustrações, mágoas, raiva e desejos insatisfeitos. Esses sentimentos carregam em si um peso negativo que ultrapassa o pedido jurídico e prejudica toda a família. Assim, os processos se arrastam por meses (e até por anos!), à custa de um imenso desgaste emocional.
Quando os conflitos são muito intensos, o juiz requer o auxílio do Setor Técnico da Psicologia, do Fórum ou do Tribunal, a fim de que o psicólogo perito analise as mensagens inconscientes que causaram a desestruturação familiar e a maneira como o litígio se arrasta no Judiciário. O psicólogo perito judiciário deve buscar um outro olhar sobre a relação processual, com neutralidade e ética necessárias para subsidiar a decisão do juiz.
Mas cada uma das partes pode, se quiser, contratar o seu próprio profissional para auxiliá-la na fundamentação de seus argumentos. É nesse momento que entra em cena o assistente técnico: um psicólogo autônomo, que não possui vínculo com a instituição judiciária e que, ao lado da consciência ética de sua profissão, deve ter ampla liberdade para obter informações que subsidiem o seu parecer técnico. Enquanto o psicólogo judiciário acaba se restringindo ao espaço do Tribunal para realizar suas funções (por determinação de Provimentos do Conselho Superior da Magistratura e da Corregedoria Geral de Justiça), o psicólogo assistente técnico pode, se considerar necessário, realizar entrevistas, aplicar testes, fazer visitas domiciliares e escolares, não somente para obter informações da parte que o contratou como também da parte contrária. Aliás, é preciso que se diga que, embora o assistente técnico seja visto como um auxiliar não-jurídico da parte que o contratou, corroborando suas alegações e reforçando a defesa de seus interesses, não deve, por esse motivo, violar os preceitos éticos da profissão, fazendo afirmações falsas ou infundadas com o objetivo de favorecer seu cliente, mesmo por exigência deste.
O psicólogo assistente técnico é um consultor da parte, e deve ser visto com respeito e dignidade endereçados a um profissional ético. Como ele tem um contato mais próximo com seu cliente – e, em alguns casos, com a parte contrária - possui mais elementos para analisar os conflitos emocionais que permeiam as relações familiares discutidas no litígio. Seu parecer técnico deve conter informações concretas e precisas, que sejam um retrato da situação vivenciada naquele momento e que possam auxiliar na sugestão mais adequada para a harmonia familiar.
Nesse sentido, o assistente técnico pode (e deve) colaborar com o psicólogo perito judiciário, porque essa troca de informações auxiliará ambos os profissionais a compreender a dinâmica familiar e, juntos, buscar uma solução que, ao servir de subsídio para a decisão judicial, traria mais benefícios para a família. Por outro lado, devendo ser o assistente técnico um profissional ético, poderá observar mais atentamente a conduta do perito e, assim, verificar se ele também está agindo de acordo com a ética: como o assistente técnico deve apresentar em seu parecer críticas ao laudo pericial, estas poderão ser positivas ou negativas, dependendo da ética, lógica e coerência do trabalho do psicólogo judiciário.
Nos processos que envolvem disputa e modificação de guarda dos filhos menores, o psicólogo assistente técnico poderá observar e analisar se o cliente que o contratou possui mais condições (financeiras e emocionais) de cuidar das crianças do que a parte contrária. Mas e se acontecer o contrário? Se o seu cliente tiver menos condições de cuidar das crianças, o psicólogo deverá, em nome da ética, orientá-lo a respeito dessa conclusão e não fazer afirmações falsas; poderá aconselhá-lo a desistir da ação ou, em último caso, afastar-se da função, para não comprometer o cliente e sua família e não prejudicar a ética.1
A legislação processual civil prevê a indicação de Assistentes Técnicos e formulação de quesitos ao perito, no artigo 421, § 1º, I e II do Código de Processo Civil, bem como pela segunda parte do artigo 422, do mesmo Código, preceitua que os Assistentes Técnicos são de confiança da parte, não estando sujeitos ao impedimento, como ocorre com o perito judicial.
Ora, se o Assistente Técnico é de confiança da parte, e não está sujeito a suspeição ou impedimento, é somente à parte que o contratou que ele deve prestar assessoria e esclarecimentos de seus atos, podendo formular livremente seu convencimento e apresentá-lo ao perito, com a possibilidade de que este concorde ou não, porém obviamente dentro do compromisso genérico com a Justiça previsto no artigo 339 do mesmo Código.
E por fim, mas não em importância, não posso deixar de mencionar a Resolução nº 08/2010[1], do Conselho Federal de Psicologia, que dispõe acerca da relação entre o Perito e o Assistente Técnico.
Finalmente, o psicólogo assistente técnico pode ser (ou ter sido) o psicoterapeuta do cliente ou de qualquer pessoa envolvida no litígio? O Código de Ética Profissional dos Psicólogos não proíbe essa atividade, porém posteriormente a referida Resolução nº 08/2010proibiu que psicoterapeuta da parte ou de pessoa ligada à parte seja também seu assistente técnico, pois há implicações éticas referentes ao sigilo das informações do processo psicoterapêutico que não devem, em hipótese alguma, ser violadas em nome de uma pretensa “vitória” em processo judicial.
Devido à excessiva oferta de profissionais clínicos, que não conseguem ser absorvidos pelo mercado já saturado, muitos psicólogos acabam partindo para outras áreas2, entre elas a judiciária, atuando como assistentes técnicos3. Embora haja aspectos que diferenciam ambas as áreas, o trabalho judiciário também deve ser visto com a mesma importância da clínica, pois conjuntamente buscam a compreensão da ação humana, em relação aos parâmetros da lei e da justiça, e a conscientização pessoal em nome do equilíbrio e da harmonia familiares.
Vale ressaltar uma última observação: também o assistente técnico incorre nasanção ética determinada pelo Código de Ética Profissional dos Psicólogos e pelo Código de Processamento Disciplinar, quando seu parecer contiver informações inverídicasou omitir informações verídicas sob pretexto de atender às exigências da parteque o contratou, violando preceitos da ética. Nesse caso, o processo disciplinar segue o andamento e os critérios daquele movido contra o perito, mencionando-se o local (consultório, por exemplo, ou o Forum) onde o psicólogo trabalha. Contudo, deixa de ser um crime penalquando o psicólogo assistentetécnico tenha prestado informações em seu parecer, decorrentes de erro, fraude, simulação ou omissão de seu cliente. Nesse caso, o Conselho Regional de Psicologianão pode confundir o dolo do profissional que fornece informações equivocadas parainduzir o Juízo a erro, da culpa (no sentido amplo) por ter sido ele mesmo induzidoa erro pelo cliente (“fraude processual”, prevista no art.347-C do Código Penal).Mas, lamentavelmente, essa confusão vem ocorrendo com assustadora frequêncianas Comissões de Ética dos Conselhos Regionais de Psicologia, prejudicandoindevidamente profissionais de boa-fé, abalando sua reputação. Há casos em que a escolha da sanção ética imposta pelas Comissões é desproporcional à gravidade dosfatos, e isso pode dar ensejo ao profissional recorrer ao Judiciário para preservação de seus direitos, como entrar com ação judicial de Mandado de Segurança para garantir seu direito de continuar atuando conforme os parâmetros éticos e obrigações processuais, além de indenizações por danos morais ao cliente que o induziu ao erro, e à própria Comissão de Ética do Conselho Regional de Psicologia que lhe aplicou uma sanção indevida, equivocada e desproporcional.
Notas de Atualização:
1Atualmente, tanto o psicólogo perito quanto o assistente técnico podem (e devem) incentivar a Guarda Compartilhada como forma mais harmônica e evoluída de exercício da guarda dos filhos menores após o rompimento da relação conjugal. Nela, ambos os genitores encontram-se em igualdade de condições para decidir acerca das questões importantes dos filhos, e estes desfrutam do convívio equilibrado com ambos os pais. Essa relação será mais forte com a aplicabilidade da Lei nº 11.698/2008, que dispõe acerca da Guarda Compartilhada e da Lei nº 12.318/2010 que dispõe acerca da Alienação Parental.
2O psicólogo assistente técnico deve conhecer, além das técnicas de avaliação inerentes à sua profissão, também a legislação vigente – tanto os aspectos processuais quanto o direito material (Código Civil, Estatuto da Criança e do Adolescente, leis referentes à família, etc.)
3A Ciência Psicológica, na sua busca pela compreensão do comportamento humano, encontra-se em franca expansão, acompanhando as necessidades humanas e as transformações sociais. É nesse contexto que ocorrem as ramificações do conhecimento e das pesquisas da Psicologia, e o psicólogo deve estar constantemente atento e atualizado diante dessas mudanças.
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Denise Maria Perissini da Silva é psicóloga clínica e assistente técnica jurídica em processos nas Varas da Família e nas Varas da Infância de São Paulo (SP); ministra cursos, palestras e grupos de estudos sobre Psicologia Jurídica de Família.
Especialista em Psicopedagogia e LIBRAS.
Docente universitária: UNISA e ESA-Santo Amaro.
É autora de livros e artigos de Psicologia Jurídica da Família, a saber:
- Psicologia Jurídica no Processo Civil Brasileiro. RJ: Forense, 2ª.ed., 2012.
- Guarda Compartilhada e Síndrome de Alienação Parental: o que é isso? Campinas: Autores Associados, 2ª. ed., 2011.
- Mediação e Guarda Compartilhada – conquistas para a família. Curitiba: Juruá, 2011.
Mestranda em Distúrbios da Comunicação Humana pela UNIFESP.
E-mail: deniseperissini@gmail.com
[1]BRASIL. Conselho Federal de Psicologia. Resolução nº 08, de junho de 2010. Dispõe sobre a atuação do psicólogo como perito e assistente técnico do Poder Judiciário. Disponível em: .
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